ATA DA DÉCIMA NONA SESSÃO SOLENE DA SEGUNDA SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA DÉCIMA LEGISLATURA, EM 09.08.1990.

 


Aos nove dias do mês de agosto do ano de mil novecentos e noventa reuniu-se, na Sala de Sessões do Palácio Aloísio Filho, a Câmara Municipal de Porto Alegre, em sua Décima Nona Sessão Solene da Segunda Sessão Legislativa Ordinária da Décima Legislatura, destinada a assinalar o transcurso do Dia Internacional da Bomba Atômica Nagasaki. Às dezessete horas e quinze minutos, constatada a existência de “quorum”, o Sr. Presidente declarou abertos os trabalhos e convidou os Líderes de Bancada a conduzirem ao Plenário as autoridades e personalidades presentes: Compuseram a Mesa: Ver. Valdir Fraga, Presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre; Srª. Sara Stolnick, representando a ADFG - Amigos da Terra; Engenheiro Químico Dionísio Belinazzo, representando a Secretaria Municipal do Meio Ambiente; Professor Norberto Baldauf, Físico Nuclear do Departamento de Biofísica da UFRGS; Srª. Nydia Aydos Krueger, Funcionária Pública Federal, aposentada; Luciano Passos dos Santos e Josi Cristina Schwarz, estudantes; Ver. Gert Schinke, autor da proposição e, na ocasião, Secretário “ad hoc”. Após, o Sr. Presidente pronunciou-se acerca do evento e concedeu a palavra ao Ver. Gert Schinke que, em nome das Bancadas do PT, PDT, PMDB, PCB, PSB e PL, anunciou o transcurso, dias seis e nove de agosto, das datas referentes às explosões atômicas ocorridas em Hiroshima e Nagasaki, onde ficou demonstrada a capacidade auto-destrutiva do ser humano. Propugnou pelo desarmamento e pela paz mundial, citando incidentes ocorridos em Porto Alegre, entre colonos sem-terra e a Brigada Militar e o conflito internacional observado entre o Iraque e o Kwait. Analisou os aspectos éticos, morais, econômicos e sociais que são apontados pelos ecologistas com relação à corrida armamentista internacional e à exploração da energia nuclear com fins bélicos. Em continuidade, o Sr. Presidente, Ver. Valdir Fraga, convidou o Ver. Gert Schinke a assumir a presidência dos trabalhos e anunciou a leitura, pela Ecologista Bárbara Benz, de Carta Aberta de Porto Alegre. A seguir, foi ouvida interpretação da música “Rosa de Hiroshima”. Às dezessete horas e quarenta e três minutos, o Sr. Presidente agradeceu a presença de todos e declarou encerrados os trabalhos da presente Sessão, anunciando debate a ser realizado a seguir, sobre rejeitos nucleares. Os trabalhos foram presididos pelos Vereadores Valdir Fraga e Gert Schinke, este por convite especial do Presidente Valdir Fraga, e secretariados pelo Ver. Gert Schinke, Secretário “ad hoc”. Do que eu, Gert Schinke, Secretário “ad hoc”, determinei fosse lavrada a presente Ata que, após lida e aprovada, será assinada pelos Senhores Presidente e 1º Secretário.

 


O SR. PRESIDENTE (Valdir Fraga): Nós damos por aberta a presente Sessão Solene, dedicada a assinalar o transcurso do Dia Internacional da Bomba Atômica Nagasaki.

Esta homenagem foi requerida pelo Ver. Gert Schinke e aprovada por unanimidade por esta Casa.

Está composta a Mesa, para honra nossa, e, de imediato, passamos a palavra ao Ver. Requerente da homenagem, Ver. Gert Schinke, que fala pelas Bancadas do PT, PDT, PMDB, PCB, PSB e PL.

 

O SR. GERT SCHINKE: Sr. Presidente Valdir Fraga, Srª Sara Stolnick, representante da ADFG, companheiro Dionísio Belinazzo, nosso querido Norberto Baldauf, que muito nos honra com a sua presença, amigos, jovens que estão na Mesa; Profª Nilce, companheiros e companheiras. É uma honra para nós este momento tão importante que registra a passagem de um momento tão importante vivido pela humanidade: a explosão das bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki, que inaugurou uma nova era. Fundamentalmente, registrou a noção para o homem da sua capacidade destruidora, a capacidade que ele tem de arrasar a vida neste planeta. Quem “pagou o pato” com milhares de vidas para provar isto a toda a humanidade foi o povo japonês, as populações de Hiroshima e Nagasaki que até hoje estão sofrendo as seqüelas daquela tragédia.

Dentro da grande tragédia da Segunda Guerra Mundial, esta tragédia tem um significado particular importante. Como eu já falei, ela registra para a humanidade a noção da capacidade autodestrutiva do homem, da capacidade de ele acabar com a vida neste planeta. E, além disso, ele desnuda, evidencia a tragédia que é a corrida armamentista. Especialmente nas últimas décadas, os países, sejam desenvolvidos ou subdesenvolvidos, investiram bilhões de dólares nesta fratricida corrida armamentista.

No ano passado, nós tivemos aqui uma Sessão Solene muito semelhante a esta, só que, naquela ocasião, nós tivemos sentado à mesa o Cônsul japonês, ao qual nós ofertamos, simbolicamente, uma rosa branca, que é o símbolo da paz. Aqui eu também registro, simbolicamente, não através de uma rosa, mas através da minha gravata borboleta, como eu costumo usar sempre aqui na Câmara, branca, porque ela simboliza a paz. Esta data também pretende registrar, através deste nosso ato que é muito mais simbólico, e por isso ele tem um conteúdo muito forte, a nossa luta pela paz mundial.

E aqui eu quero fazer um registro de que o momento em que nós estamos fazendo esta atividade aqui, que transcorre numa situação conjuntural, que não decorreu da nossa vontade, muito antes pelo contrário, porque nós, acima de tudo, sempre fizemos manifestações pacíficas, como são conhecidas por vocês, a exemplo do “Abraço do Rio Guaíba”, a exemplo daquela subida na chaminé do Gasômetro que eu mesmo fiz com outros companheiros e outras tantas manifestações que o movimento ecológico sempre faz, de maneira ordeira e pacifica.

Mas, diante dos acontecimentos que ontem sacudiram esta Cidade, esta nossa atividade aqui tem um significado importante também porque ela quer dar um recado de pacificação, quer deixar esse recado aqui, através da Câmara, através desta Casa, deste Poder Legislativo, dizer para a Cidade que, acima de tudo, nós temos que perseguir sempre o objetivo da paz, seja da nossa paz, aqui dentro, que é muito difícil de se conseguir, vocês vêem, os conflitos estão aí abertos, visíveis, saldos de pessoas mortas, feridas, mas assim como também a paz internacional.

E hoje estamos vivendo um momento muito delicado, além desse registro que faço da situação nossa, conjuntural, aqui presente em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, tensa, também em nível internacional a conjuntura está tensa. Hoje, porta-aviões e tropas são deslocados para o Oriente, próximo da região do Iraque e do Kwait, na Arábia Saudita, onde grandes potências armamentistas do mundo estão vendo em questão os seus interesses econômicos e políticos em toda uma região do planeta. Isso é importante registrar, porque a paz ainda não está presente no nosso mundo, ainda temos que lutar muito mais pela paz.

Então, em 06 de agosto de 1945, caíram essas bombas que deixaram um rastro de enorme destruição. A segunda bomba caiu no dia 09 de agosto, exatamente na data de hoje, há quarenta e cinco anos atrás. Ela provocou uma corrida armamentista sem precedente na história da humanidade e levou muitos países a entrarem nesta competição tecnológica, nesta corrida desenfreada pelo domínio do átomo. Confunde muito o leigo quando muitos países, muitos governantes dizem que o domínio sobre esta tecnologia é fundamental para se conseguir desenvolver, para que os países se desenvolvam, para que haja progresso e para que haja defesa nacional. Pois nós ecologistas e também pacifistas dizemos exatamente o contrário: no que um país qualquer do mundo entra na corrida com a energia nuclear, ele se torna alvo dos demais países. Estrategicamente, em questões de guerra, em questões armamentistas, onde existe uma central nuclear, ela é um alvo estratégico militar. Portanto, o Brasil já está incluído, pelo menos em uma região toda, como alvo estratégico das superpotências militares: a região do Rio de Janeiro, pelo fato de ter lá uma central nuclear, ela é um alvo prioritário. Porque, se você, numa guerra, explodir, danificar uma central nuclear, você vai estar empreendendo uma baixa militar ao inimigo, imprevisível. Todo o mundo, hoje, está semeado de centrais nucleares e, portanto, ogivas militares dirigidas a essas centrais nucleares.

Portanto, aí nós procuramos desvendar, esclarecer a intimidade que existe entre o domínio da tecnologia para fins pacíficos e a aplicação dessa tecnologia para finalidade militar. Ela é intrínseca. Porque, para você aplicar a energia nuclear para atividades militares, você tem que dominar todo o ciclo do átomo, tem que dominar essa tecnologia. E o argumento de todos os países que querem, em última análise, perseguir, dominar a tecnologia nuclear para finalidade militar, tem sido o argumento de que nós temos que fazer centrais nucleares para geração de energia elétrica. Esse é o primeiro passo para se produzir uma bomba atômica, porque sem ele você não tem o domínio sobre essa. tecnologia. Essa é a grande verdade que aqui se procura mascarar sempre nessa discussão. Que apenas nós estamos querendo, com as nossas centrais nucleares, querendo gerar energia elétrica, porque nós precisamos de novas fontes de energia elétrica, isso é uma mentira grossa que esse Governo continua pregando e fazendo. Faz o complexo de Aramar, em Iperó, desenvolve o projeto tecnológico para o submarino nuclear, que tem finalidade militar, quer construir Angra II e quer construir Angra III e mais pequenas centrais nucleares, para “finalidades” de pesquisa em centros universitários do País e que, sabemos, estão sendo desenvolvidos para este objetivo final, que é o de capacitar o Exército Brasileiro ao domínio da bomba atômica, para que tenhamos, como supostamente uma potência desenvolvida, condições de chantagear, de dominar o Hemisfério Sul da América Latina.

Contra esta corrida é que nos colocamos, contra esse espírito belicista e que enterra de cada um de nós os seus centavos, através dos impostos que pagamos com a compra de qualquer objeto que acabam na União e que já enterraram até hoje 10 bilhões de dólares. Este valor é que os Governos que sucederam, desde o regime militar, na época de 1972, já gastaram no programa Brasil/Alemanha, programa nuclear brasileiro. Esta é a noção que nós temos que ter do que está por trás da corrida pelo desenvolvimento da tecnologia nuclear. Por isso e mais as razões éticas é que nós, ecologistas, desencadeamos uma luta há anos contra a energia nuclear. As razões éticas que nos levam a fazê-lo, fundamentalmente, residem no aspecto de que a utilização do átomo para a geração elétrica e para finalidade nuclear estão intrinsecamente combinadas, elas geram o rejeito radioativo que se torna praticamente eterno. O plutônio, resultado da uti1ização das centrais nucleares e que é o elemento da bomba atômica, ele permanece radioativo por milhões de anos. Os rejeitos radioativos decorrentes, resultados das centrais nucleares, permanecem durante centenas de milhares de anos.

Os países que já têm centrais nucleares, há anos não sabem mais quais são as alternativas confiáveis, seguras de guardar o rejeito radioativo que, hoje, está sendo jogado nos oceanos em grande quantidade, no fundo de salinas, porque não se sabe mais, não se tem a garantia da segurança e há quantidade cada vez maior desses rejeitos radioativos. O que dirá outro problema, que é insolúvel: o que fazer com uma central nuclear depois que ela for ativada? Ela é um elemento radioativo permanente. Os ingleses, hoje, estão discutindo alternativa de fazer um bloco de concreto, uma montanha de concreto em cima de uma central nuclear. Vocês já imaginaram uma coisa destas? Parecido com o que fizeram com a Usina de Chernobyl, uma das quatro centrais que funcionam combinadas, uma delas, a que explodiu, foi feita uma verdadeira capa de concreto em cima dela. Mas isso não eliminou a radioatividade. É um problema eterno que nós estamos deixando às nossas gerações e às que virão, que vão viver com um problema resultado de quê? Resultado de uma sociedade que não soube levar uma vida harmônica com a natureza. Uma vida que colocasse o respeito, acima de tudo, às outras formas de vida que existem em nosso planeta e que nós estamos fazendo desaparecer paulatinamente com o desaparecimento de espécies animais e vegetais.

Esta é a questão ética que eu queria deixar para vocês pensarem e refletirem sobre ela. A energia nuclear não só é antieconômica, não só é anti-social, porque ela desloca empregos em grande quantidade, mas ela é, acima de tudo, também, antiética. Ela não deve ser uma alternativa usada por nós, porque ela está gerando um problema eterno, ela está fazendo com que uma radioatividade permaneça praticamente eternamente neste planeta. Às custas de quê? Às custas de que você possa ter uma vida supostamente mais fácil, porque o seu consumo tem que ser atendido, com mais televisões, com mais eletrodomésticos nas prateleiras, com automóveis cada vez mais novos e cada ano diferentes. É esta corrida de consumismo que é responsável, em última análise, por exigir demandas cada vez maiores de energia.

Então, nós temos que frear isto, na verdade, com a raiz apontando para um outro modelo de desenvolvimento econômico e social, que prescinda dessas porcarias todas, que faça com que a nossa vida seja mais simples, que nós possamos prescindir de um automóvel e possamos andar de bicicleta quando nós queiramos. Estas alternativas eticamente interessantes, ecologicamente e socialmente interessantes é que o movimento ecológico em todo mundo persegue. Esta é a mensagem de paz, de fraternidade, num momento tão conturbado, que eu queria deixar aqui para vocês. Sou grato.

(Revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: Gostaria de convidar o Ver. Gert Schinke para assumir a direção dos trabalhos e, ao mesmo tempo, anunciar a leitura da Carta Aberta de Porto Alegre pela Ecologista Bárbara Benz.

 

A SRA. BÁRBARA BENZ: (Lê a Carta de Porto Alegre.)

“II Encontro Latino-Americano Antinuclear

II Feira Latino-Americana de Energias Alternativas

Carta de Porto Alegre

Nós, participantes do II ELAN e da II FLEA, reunidos em Porto Alegre nos dias 09 a 12 de abril de 1990, apresentamos à comunidade brasileira e internacional o que segue:

Ratificamos o Compromisso de Mar Del Plata, elaborado durante o I ELAN/I FLEA, que,         em síntese, sustenta que a implantação de uma nova sociedade, ‘calcada na harmonia entre os humanos e a natureza’, não necessita a opção nucleoelétrica e muito menos da sua aberração militar. Insistir em tal direção, em momentos em que mundialmente estas tecnologias se revelam como inviáveis e têm os seus dias contados, é ir na contramão da história.

Nós nos sentimos parte do movimento planetário pela desnuclearização e o desarme, sabendo desde já que o compromisso em nossos países é parte da ação solidária por um mundo socialmente justo.

Nos propomos a:

1 - Contribuir para a conscientização massiva sobre os impactos da energia nuclear em nossos países, através de todos os veículos possíveis de comunicação e educação.

2 -            Atrair  a este campo a todos os demais movimentos sociais e cooperar com eles em suas reivindicações.

3 - Impulsionar a implantação de fontes energéticas ‘brandas’ e de tecnologias populares que constituam uma alternativa ante as tendências centralistas tecnocráticas do presente e os condicionamentos da dívida externa.

4 - Desenvolver esforços com vistas a criar um sistema continental diferente que garanta o banimento das armas nucleares e de toda o ciclo do combustível nuclear.

5 - Ressaltar como inadiável a necessidade de um acordo argentino-brasileiro para não desenvolver nem testar armas nucleares.

6 – Estabelecer uma operacionalidade que assegure o debate desta problemática e a representação popular na conferência da ONU sobre ambiente e desenvolvimento (UNCED) a se realizar no Brasil em junho de 1992, revelando as falácias do mito do chamado ‘descobrimento da América’.

7 - O III ELAN/FLEA será realizado no Chile em outubro de 1991.

O sonho utópico de uma humanidade desnuclearizada vai de mão com o sonho de uma América Latina unida em harmonia com as leis da natureza e as necessidades reais dos seus seres humanos hoje e amanhã, todos os dias da nossa existência.”

 

O SR. PRESIDENTE (Gert Schinke): Agradecemos a colaboração da Srª Bárbara Benz, uma das organizadoras do ELAN e da FLEA, que resultaram nessa Carta, importante registro coletivo de uma série de entidades, produzida ao encerramento daquele encontro.

Dando continuidade aos trabalhos, vamos escutar a gravação de uma música conhecida, a “Rosa de Hiroshima”.

 

(É executada a música “Rosa de Hiroshima”.)

 

O SR. PRESIDENTE: Estão encerrados os trabalhos da presente Sessão. Agrademos a presença de todos.

 

(Levanta-se a Sessão às 17h43min.)

 

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